Cuidado com os liberais

24/11/2014 13:31

 

Introdução

Quando passei a levar com mais seriedade meus estudos em teologia, em meados de 2012, logo comecei a ver as pregações de outra maneira. Não há como fugir, cada palavra, cada frase, cada proposição falada tem por detrás uma visão teológica. Se eu falo "o justo viverá pela fé" uma das primeiras coisas que me vem à mente é Martinho Lutero afirmando na Reforma que a justificação é pela fé; ou se digo "devemos interpretar a Bíblia a luz do seu contexto levando em consideração a gramática do texto" logo penso em hermenêutica. Voltando ao que estava falando, quando estava engatinhando no estudo de teologia reformada percebi que não estava gostando do que estava ouvindo. Me lembro de uma quarta feira a noite antes de começar o culto que estava conversando com um dos pastores da igreja sobre teologia. Falamos sobre os pais da igreja, sobre a reforma e sobre a inerrância das Escrituras. O pastor disse que não acreditava que a Bíblia era inerrante. Eu me espantei e perguntei se ele podia explicar. Ele falou que havia muitos erros, principalmente de gramática, nos escritos de Pedro. Mas que Deus podia falar pela Bíblia sem problemas.

Você talvez não saiba quem são os liberais. Talvez até os confunda com os liberais econômicos. Para uma explicação simples adotarei a do livro The Survivor's Guide to Theology (Uma Introdução à Teologia) de James Sawyer:

“No contexto do Cristianismo: o liberalismo foi construído sobre o compromisso com conjunto básico de reposições teológicas e religiosas que, desdobradas deram origem a uma nova forma de religião a qual reteve a terminologia ortodoxa, mas redefiniu radicalmente os termos.”

Por essa explicação podemos entender que o liberalismo não é uma doutrina do cristianismo mas sim uma religião oriunda do mesmo.

Antes de falar do liberalismo preciso falar um pouco do Iluminismo. O Iluminismo, foi, segundo Augustus Nicodemus, "uma revolva contra o poder da religião institucionalizada e contra a religião em geral." As pressuposições filosóficas deles, isto é, o que eles acreditavam antes de tudo, foram moldadas pelo racionalismo e pelo empirismo. "Mesmo sendo contrárias entre si", afirma Augustus, "as duas filosofias concordavam que Deus tem de ficar de fora do conhecimento humano".

O impacto dessas filosofias combinadas resultou em um profundo impacto na hermenêutica bíblica, que é a arte da interpretação ou o estudo da interpretação.

Os teólogos da época que tentaram combinar o racionalismo e as verdades da fé cristã acabaram criando um sistema teológico chamado deísmo. O deísmo afirma que Deus existe porém nega que Ele se relacione com a sua criação, ou que ele intervém na História humana.

E, finalmente, na Alemanha, como resultado da união do pensamento humanista, racionalista na teologia inglesa, das ideias mais abertas dos arminianos holandeses, e da luta dos latitudinários ingleses contra a ortodoxia da Igreja Estatal inglesa eles aparecem. É claro que estou falando deles: que causaram divisões na Igreja Luterana da Alemanha em seu tempo: os liberais.

Vale ressaltar que o pensamento dos liberais não é uniforme, mas basicamente eles defendiam essas 6 ideias tiradas do livro "A Bíblia e seus intérpretes" de Augustus Nicodemus:

 

1) A Bíblia não é o registro infalível e inspirado da revelação divina mas o testamento escrito da religião que os judeus e os cristãos praticavam. Ela não fala de Deus, mas do que esses criam sobre ele.
2) A doutrina ou declarações proposicionais, como as que encontramos nos credos e confissões da igreja, não são essenciais ou básicas para o Cristianismo, visto que o que molda e forma a religião é a experiência, e não a revelação. A única coisa permanente no Cristianismo, e que serve de geração a geração, é o ensino moral de Cristo.
3) O Cristianismo só é diferente das demais religiões quantitativamente e não qualitativamente. Ou seja, todas as religiões são boas e levam a Deus; o Cristianismo é apenas a melhor delas.
4) Existe uma centelha divina em cada pessoa. Portanto, o homem, no íntimo, é bom, e só precisa de encorajamento para fazer o que é certo.
5) Jesus Cristo é Salvador somente no sentido em que ele é o exemplo perfeito do homem. Ele é Deus somente no sentido de que tinha consciência perfeita e plena de Deus. Era um homem normal, não nasceu de uma virgem, não realizou milagres, não ressuscitou dos mortos.
6) O caráter de Deus é de puro amor, sem padrões morais. Todos os homens são seus filhos e o pecado não separa ninguém do amor de Deus. A paternidade de Deus e a filiação divina são universais.

Há um tempo atrás resolvi dedicar uma boa parte da minha vida a estudar e refutar os liberais para que a igreja possa viver de forma mais saudável. Segue abaixo dois vídeos de dois pastores presbiterianos falando sobre o liberalismo teológico como introdução para nós:

https://www.youtube.com/watch?v=mWU4YEubM0A
https://www.youtube.com/watch?v=IQsdDB1Zd-M

Nessa primeira parte dos estudos procurei responder a algumas afirmações enganosas liberais sobre a inerrância das Escrituras. Pretendo ainda refutar sobre o que eles acreditam de Cristo, credos, sobre o homem caído e o universalismo.

 

A inerrância das Escrituras

Não entrarei em detalhes sobre a história dos liberais. Talvez em uma outra hora. Meu objetivo é único: fazer os irmãos e irmãs tomarem conhecimento e cuidado com as doutrinas da religião liberal. Em um dos vídeos acima o pastor diz que os liberais destroem igrejas, e é verdade. Senti na pele isso. Mas a primeira coisa que quero que os leitores deste texto tomem conhecimento é a respeito de como os liberais veem as Escrituras.

Por mais que eu tenha que concordar que o pensamento liberal não é uniforme, nunca conheci um liberal que não colocasse em prova a inerrância das Escrituras. Por ter raízes no iluminismo, o liberalismo usa a razão para interpretar as Escrituras. Não que seja algo ruim usar a razão, o problema é que a Bíblia não é só um livro humano, ela também é um livro divino.

Não está entendendo nada? Não sabe o que é inerrância, ou o porquê dos liberais questionarem a mesma?

Vamos por partes:

  1. O que é inerrância?

“O sentido básico desse termo”,-  afirma Augustus Nicodemus -, “não foi inventado pelos escolásticos protestantes pós-Reforma, nem pelos fundamentalistas históricos do início do século XX em reação ao liberalismo teológico”. Apesar do termo “inerrante” só ter aparecido nessa briga nos Estados Unidos no século XX, sempre foi evidente que os apóstolos e até Cristo já ensinava sobre isso.

Quando afirmo que a Bíblia é inerrante quero dizer que ela, no original hebraico e grego, é verdadeira em tudo o que afirma. Não há nenhum erro histórico, geográfico, referente a fé e a salvação pois foi inspirada pelo próprio Deus. A Bíblia é tanto humana quanto divina, porém livre de erros. Há de se ressaltar que não estou afirmando que as traduções são livres de erros. Há possibilidade sim de encontrar erros nas traduções, pois elas não foram inspiradas por Deus, mas os erros que porventura possam ser encontrados nas traduções não anulam a inerrância das Escrituras originais.

Sobre isso, mais um vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=jdn3_1g8zhs

 

  1. Qual o motivo dos liberais questionarem a inerrância?

Como cristãos, cremos que a Bíblia é a nossa autoridade final. Os liberais creem que a razão é a autoridade final. Para eles, o que a razão não conseguir explicar não é verdade. Por esse motivo, eles não creem em milagres, na ressurreição de Jesus, não creem que Maria era virgem ao dar à luz a Jesus, e até mesmo eles desconsideram o inferno como algo real.
Muitos deles são universalistas, ou seja, creem que todos os homens serão salvos ainda que não entreguem suas vidas para Deus (para os arminianos) ou não sejam eleitos (para os calvinistas).

E é por isso que eles não creem na inerrância das Escrituras.

 

A Bíblia como autoridade final

Você pode me questionar: - Tudo bem, eles creem que a Bíblia tem erros. Mas e o que a Bíblia fala sobre a própria Bíblia e porque devemos considerar a Bíblia como autoridade final? Isso seria uma argumentação circular.

Se nós pararmos para pensar, se nós não pudermos usar esse “argumento circular” (da Bíblia explicar a si mesma) nós não podemos explicar nada. Vejamos o racionalista explicando a razão! Se não se pode prova algo por si mesmo, a razão não pode ser provada.

O fato é: para provarmos algo, devemos ter alguma coisa que nos dê base para essa prova. Se eu for falar de maneira mais filosófica, ou usando a lógica matemática (matemática discreta), para chegarmos em uma conclusão (verdadeira), temos que provar que a base dessa conclusão é verdadeira. Da base nós construímos o argumento e então usando algum método de prova, devemos provar que o argumento é verdadeiro. Só então que chegamos em uma conclusão que pode ser verdadeira ou não. Até a prova lógica é meio circular, por que insistem em dizer que não podemos provar algo da Bíblia pela Bíblia?

Kevin DeYoung escreve em seu livro “Levando Deus a sério”:

[...] e certa forma de circularidade é inevitável sempre que tentamos defender os nossos princípios fundamentais. Você não pode estabelecer autoridade suprema da sua autoridade suprema indo a alguma outra autoridade menor. Sim, a lógica é circular, mas não mais do que o secularista defendendo a razão pela razão ou o cientista divulgando a autoridade da ciência baseada na ciência.”

E ainda Gary DeMar citando John Frame em seu artigo Raciocínio Circular:

“[Um] racionalista [para quem a razão tem autoridade final] pode provar a primazia da razão somente usando um argumento racional. Um empirista [para quem a experiência tem autoridade final] pode provar a primazia da experiência sensorial somente por algum tipo de apelo à experiência sensorial. Um muçulmano pode provar a primazia do Alcorão somente apelando ao Alcorão. Mas se todos os sistemas são circulares dessa forma, então tal circularidade dificilmente pode ser usada contra o Cristianismo. O crítico será inevitavelmente tão "culpado" de circularidade quanto o cristão.”

 

O que a Bíblia diz sobre a inerrância

Para os liberais, a Bíblia não é a palavra de Deus. Eles acreditam que a Bíblia contém a palavra de Deus ou que ela se torna a palavra de Deus a medida que lemos. Se nós acreditarmos que a Bíblia é a palavra de Deus, então devemos concluir que ela não contém erros pois Deus não erra. Há algumas passagens bíblicas que nos afirmam que a Bíblia é realmente a palavra de Deus.

“Também agradecemos a Deus sem cessar, pois, ao receberem de nossa parte a palavra de Deus, vocês a aceitaram não como palavra de homens, mas segundo verdadeiramente é, como palavra de Deus, que atua com eficácia em vocês, os que creem.” 1Ts 2:13

 

Paulo está agradecendo a Deus pelo fato dos tessalonicenses terem recebido o que eles haviam pregado lá. E como vemos na passagem, os tessalonicenses aceitaram a palavra de Deus como sendo palavra de Deus, não como sendo palavra de homens.

 

“Antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal, pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo.” 2 Pe 20,21

 

O texto é claro por si mesmo. Nenhuma profecia da Escritura teve origem na vontade humana mas na vontade de Deus. E se é de vontade de Deus já deve haver erros, pois Deus não erra. Pedro ainda continua no capítulo 3, agora ele coloca em pé de igualdade o que os profetas falaram e o que os apóstolos escreveram:

 

“Amados, esta é agora a segunda carta que lhes escrevo. Em ambas quero despertar com estas lembranças a sua mente sincera para que vocês se lembrem das palavras proferidas no passado pelos santos profetas, e do mandamento de nosso Senhor e Salvador que os apóstolos de vocês lhes ensinaram.” 2 Pe 3:1,2

 

“Tenham em mente que a paciência de nosso Senhor significa salvação, como também o nosso amado irmão Paulo lhes escreveu, com a sabedoria que Deus lhe deu. Ele escreve da mesma forma em todas as suas cartas, falando nelas destes assuntos. Suas cartas contêm algumas coisas difíceis de entender, as quais os ignorantes e instáveis torcem, como também o fazem com as demais Escrituras, para a própria destruição deles.” 2 Pe 3:15,16

 

Nos dois primeiros versos fica claro o que eu escrevi a pouco. Pedro está igualando as “palavras proferidas no passado pelos santos profetas” ao “mandamento de nosso Senhor e Salvador que os apóstolos de vocês lhes ensinaram”. O mais interessante são os versos 15 e 16. Aqui de maneira ainda mais clara, Pedro chama as cartas de Paulo de Escritura. Ele diz que os ignorantes e instáveis torcem as palavras das cartas de Paulo assim como eles também torcem as demais escrituras.

 

"Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra." 2 Tm 3:16,17

 

Por último, mas não menos importante do que as outras passagens temos talvez os versos mais conhecidos que falam da própria Escritura. Aqui Paulo declara que toda a Escritura é inspirada por Deus, toda Escritura é útil para o ensino, toda Escritura é útil para a repreensão, para a correção e instrução na justiça. Para quê? Para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra. Qual a implicação disso? A Escritura não pode falhar pois é inspirada por Deus; ela não pode conter erros visto que o próprio Deus foi quem a inspirou.

 

Conclusão

O texto foi longo, pode ter sido difícil, chato porém necessário. Hernandes Dias Lopes afirma o seguinte em uma pregação:

 

"E preste atenção nisso: o liberalismo não começa na igreja, começa nos seminários. Da cátedra ele vem pro púlpito e do púlpito ele mata as igrejas."

 

Tendo dito isso, fica clara a urgência tomarmos cuidado com os liberais. Mas como qualquer pessoa que não conhece a Cristo, devemos orar pela conversão dos mesmos e pregar a palavra e pregá-la de maneira expositiva.

 

“A maneira de corrigir as distorções neopentecostais e liberais é redescobrir a primazia da pregação expositiva.” Hernandes Dias Lopes

 

Soli Deo Gloria

 

Material usado

SAWYER, M. James. 2010:336. The Survivor's Guide to Theology. US: Sacred Saga Ministries

 

NICODEMUS LOPES, Augustus. A Bíblia e seus intérpretes: Uma breve história da interpretação. 3ª Edição. São Paulo: Cultura Cristã, 2013. p. 183, 184, 194

 

NICODEMUS LOPES, Augustus. O que estão fazendo com a Igreja: Ascensão e queda do movimento evangélico brasileiro. 1ª Edição. São Paulo: Mundo Cristão, 2008. p. 61

 

DEYOUNG, Kevin. Levando Deus a sério: Por que a Bíblia é compreensível, necessária e suficiente, e o que isso significa para você! 1ª Edição. São José dos Campos, SP: FIEL, 2014. p.

24-25

 

DEMAR, Gary. Raciocínio Circular. Disponível em: https://www.monergismo.com/textos/apologetica/raciocinio-circular_demar.pdf. Data de Acesso: 16/11/2014

 

DIAS LOPES, Hernandes. A importância da pregação expositiva para o crescimento da Igreja. 1º Edição. São Paulo: Editora Candeias, 2004. p. 227